O ar estava frio… Um daqueles dias frios em que ar parece estalar nos ouvidos. Sandra e Luísa sentavam-se, frente a frente, na esplanada do café, voltadas para o mar. Era um daqueles dias de Inverno em que, teimosamente, o sol brilha sem deixar, no entanto, o seu manto confortável de calor. Um dia belo em que as expirações transformavam-se em vapor em frente à boca. Um dia em que mulheres, como as duas amigas , só se aventuravam a uma esplanada se a estética pessoal não se melindrasse com um nariz vermelho.
O empregado de mesa aproximou-se silenciosamente das duas mulheres, uma bandeja redonda magistralmente equilibrada na ponta dos dedos, e colocou em frente a cada uma o pedido feito à chegada. Sandra engoliu a sua italiana, sem açúcar, de um só trago. Só assim sentia o sabor explosivo do café a aquecer-lhe o corpo e o espírito. Luísa verteu o conteúdos de dois pacotes de açúcar no seu cappucino. Um cappucino extremamente doce era a sua forma de se sentir parte integrante do ritual do “cafezinho” que todos os seus amigos pareciam ter mas que, com muita pena sua, não lhe agradava ao palato.
- Há quanto tempo não vínhamos aqui?
Luísa levantou os olhos da bebida antes de responder.
- Julgo que desde o dia em que viemos consolar a Rita, quando o Joel saiu de casa com a roupa numa mala e a chave de casa da Renata no bolso… Agosto, se não me engano… Já lá vão 3 meses.
Sandra acenou com a cabeça. Sim. Devia ser desde aí. Também fora a última vez que vira Rita.
- Devíamos nos esforçar para fazer isto mais vezes, não achas?
Claro que acho, pensou Luísa. Mas o dia só tem 24 horas. Oito das quais passamos a trabalhar em horários diferentes. Tu e eu. Folgas em comum… Muito raras. É o que acontece a quem trabalha por turnos e não sabe o que é passar os fins-de-semana (des)contraidamente a passear pelos shoppings de Portugal. E, para além disso, eu tenho filhos… tu tens as tuas viagens ao estrangeiro, pagas a crédito, duas vezes por ano.
- Pois devíamos.
Desviou os olhos para o areal. Alguns cães aproveitavam a liberdade do Inverno para passear os donos na praia. O vento e o mar depositavam na areia montinhos de espuma espessa. A espuma que faltava ao cappucino.
- Amanhã faz 4 anos que me juntei com o Filipe.
Luísa voltou o olhar para a amiga.
- Já? Quatro anos?
- Sim… Quem diria.
Uma gargalhada seca e um encolher de ombros… Quem diria?!?
- Ainda me lembro do dia em que saí de casa para ir viver com o Pedro. Chorei todo o caminho da casa dos meus pais à nossa… Os onze quilómetros todinhos.
Sandra franziu o sobrolho.
- Choraste? Porquê?
- Porque se acabava uma fase da minha vida… Porque dizia adeus à minha casa de infância.
Sandra varreu o horizonte com os olhos. Quem seriam os loucos que iam para o mar com aquele frio? Quem se atrevia, desta forma, a lutar com as ondas gélidas num pequeno barco? Ainda perdida no horizonte confidenciou:
- Eu fui o caminho todo a rir, a cantar e a brincar com o Filipe.
Luísa sabia ser esta a sua deixa.
- Porquê?
- Porque se acabava uma fase da minha vida… Porque dizia adeus à minha casa de infância.
Luísa poisou a chávena.
Ainda não fora esta cafeína que a aquecera.
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