terça-feira, 8 de março de 2011

Ideologias: Saúde

Sei que já passou mais de duas semanas desde que a revista saiu, mas não posso deixar de falar da entrevista de José Manuel Silva (Bastonário dos Médicos) à revista Visão (nº 936, de 10 a 16 de Fevereiro).

Começo por dizer que gostei do que li e que fiquei com uma boa impressão do homem que, sem subterfúgios, respondeu às questões colocadas.  De todas, 2 respostas ficaram a bailar-me na cabeça...  uma pela positiva, outra nem tanto.

À questão "Como deve, então, ser financiado o SNS?", José Manuel Silva responde:
"O problema não está tanto no financiamento, mas na gestão, nas formas de combater o desperdício.  Quando, hoje, se põe em causa a sobrevivência do SNS, isso tem a ver com interesses privados.  O papel destes é importante como complemento, suprindo falhas do SNS, e, como alternativa, para quem tiver seguros.  Fora isso, veja-se o caso dos EUA, que são o paradigma da medicina privada.  Têm a medicina mais cara do munndo, mas surgem na classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS) muito abaixo de nós.  Além disso, o SNS é o melhor serviço público português."

Vou deixar passar a última frase sem comentário pois não foi ela que granjeou a minha concordância.  Estou, isso sim, de acordo com as afirmações sobre a privatização da Saúde e do (mau) exemplo que nos surge, nessa área, dos EUA.
Basta olharmos para a realidade americana para percebermos que, ao se privatizar os serviços básicos de saúde, estamos a contribuir para um elitismo social em que, ao contrário do que vemos agora, grande parte da população fica privada de algo que é (ou deveria ser) um direito inerente a todos.  Os jogos e compadrios de bastidores, entre governo e farmacêuticas, impedem o acesso dos extratos mais baixos a uma área que é uma necessidade e não um luxo.  Quem tem dinheiro poderá ter a possibilidade de conseguir a cura, quem não o tem vive com a doença.
Desde que vi os documentários "Sicko" de Michael Moore e "30 Days Working for the Minimum Wage" de Morgan Spurlock, fiquei ainda mais estarrecida e, devo admiti-lo, receosa pelo sistema de saúde norte-americano...  Deus me livre de adoecer em solo do Tio Sam!
O primeiro vê o autor e realizador de "Bowling for Columbine" e "Fahrenheit 9/11" a fazer um retrato político-social do serviço nacional de saúde, comparando-o, depois, a outros países como o Canadá, Cuba ou Inglaterra.  Fazendo-se acompanhar, por vezes, por um grupo de sobreviventes e voluntários do 11 de Setembro, Moore denuncia não só o mau resultado dos serviços elitistas de saúde, como demonstra que o governo Norte-Americano não tem consideração, sequer, pelos chamados "heróis nacionais" dos quais se está sempre a gabar, em campanhas de puro marketing político.  Aumentando a controvérsia, leva o grupo consigo, primeiro a Guantanamo, à famosa prisão onde, curiosamente, os tratamentos e consultas são gratuitos.  Não tendo permissão para entrar, vão "já ali ao lado", a Cuba, nação criticada pelos sucessivos governos dos EUA, por ser o "diabo vermelho" do comunismo, ali tão perto.  As portas das clinicas cubanas abrem-se ao grupo, que é finalmente visto e correctamente diagnosticado e que avia as receitas por míseros dólares, ao invés das centenas exigidas no seu país.
Analizando os serviços de saúde de outros países, Moore mostra ainda que os médicos americanos, passiveis de temer cortes salariais e/ou benesses por parte das farmacêuticas, não devem temer uma vida frugal e de dificuldades.  Muito pelo contrário, podem, isso implementar um programa em que os médicos sejam compensados pelos êxitos e não premiados pelos jogos de interesse.



Quanto ao "30 Days Working for the Minimum Wage" de Morgan Spurlock (mais conhecido pelo seu documentário "Super Size Me" no qual, durante 30 dias - se não estou em erro - fez todas as suas refeições na McDonald's - experiência que no final brindou com uma vistoria médica que lhe disse o que já todos nós sabemos...  que a fast food tem muito de fast e pouco de food) foi um verdadeiro abre-olhos para a realidade de milhões de norte-americanos que não possuem seguros de saúde.  Spurlock e a sua namorada comprometem-se a viver 30 dias com o ordenado mínimo nacional...  Ora, para quem ganha o ordenado mínimo não existe a "regalia" de ter direito a seguro de saúde e, assim sendo, que Deus (essa entidade sempre na boca dos "bem-intencionados" americanos) tenha compaixão deles e nunca os deixe adoecer...  Não foi o que aconteceu aos dois.  Tendo ficado doentes na mesma altura dirigem-se ao hospital para serem diagnosticados...  Uma infecção urinária para ela, um problema muscular para ele e...  menos cerca de 1000 USD para os 2!  Sim...  1000  (MIL) dólares só para lhes serem diagnosticadas as maleitas...  E, de receita na mão, já atolados na dívida das consultas, há que decidir qual dos dois está pior de forma a se decidir qual a receita a aviar.  É muito triste que um país gooze assim com a pobreza e a saúde dos seus cidadãos...  E a perspectiva de essa vir a ser, alguma vez, a realidade portuguesa gela-me o sangue nas veias!!!  (e EU tenho seguro de saúde!)

A segunda resposta de José Manuel Silva a merecer a minha atenção foi a dada à afirmação "Mas é indesmentível que o défice do sector cresce de ano para ano".

"É um défice absolutamente artificial, determinado pelo próprio Estado.  O valor de cada acto médico praticado nos hospitais é fixado pelo Estado.  Haver mais ou menos défice depende dos valores atribuídos.  Uma das formas de o Estado poupar, com grandes ganhos para os doentes, seria reorganizar os hospitais por patologias e não por serviços.  É, de resto, o qe propõem Michael Porter, um grande economista da Saúde.  Um diabético tem de ir a consultas a vários serviços hospitalares, devido a problemas resultantes da mesma doença.  Deveria poder solucioná-los todos no mesmo serviço, destinado à diabetes.  A aposta tem de ser na qualidade e não nos números da Saúde, quantas vezes manipulados."

Ora bem...  No papel, em teoria, a ideia apresentada pelo Bastonário seria, realmente, um ideal não só de Serviço de Saúde mas também de facilitismo para o utente português, tantas vezes em labirinticas visitas a hospitais, serviços e consultóros.  Na prática...  Não sei se este ideal utópico me parece viável!  Na verdade, convivendo com as voltas hospitalares da minha mãe há mais de vinte anos, sinto que, por exemplo no seu caso, não seria assim tão fácil a concentração de todos os serviços que tem de visitar num só hospital.  Quando eu tinha cerca de 7 anos a minha mãe adoeceu...  Algum tempo mais tarde, e após inúmeros diagnósticos errados, foi-lhe diagnosticado Lúpus.  Depois disso já teve vários problemas derivados da doença (dores articulares, deficiências renais, anemias, etc etc etc) sendo todos esses problemas seguidos pelo seu médico no Hospital Curry Cabral.  Até aqui tudo certo, e tudo em conformidade com o proposto por José Manuel Silva.  No entanto, e nos últimos anos, a minha mãe teve também de tirar um peito e foi-lhe diagnosticado diabetes (insulino-dependentes)...  É acompanhada, para estes dois problemas, em 2 outras instalações hospitalares; o Hospital onde tirou o peito e fez quimio, e a associação dos diabéticos.  A minha questão é a seguinte...  a fazer fé na ideia do Bastonário dos Médicos, e fazendo valer a sua ideia até à mais ínfima vírgula, a minha mãe deveria ser vista, para estes dois "novos" problemas, também no Curry Cabral.  Isto porque, segundo os médicos que a seguem, ambos os problemas foram derivados da sua primeira maleita: o Lúpus.  A saber; os diabetes aparecera porque a cortisona de que a minha mãe é dependente há vinte anos aumentou-lhe significativamente os níveis de açucar no sangue (os quais - valores - o seu organismo não consegue regular por si mesmo) e o peito teve de ser retirado pois, por causa do Lúpus, as anomalias que surgiram nas células da mama poderiam agravar-se rapidamente e espalhar-se a outras partes do corpo.  Bem, eu, como filha de uma paciente que tem sido bem cuidada nos serviços a que vai, atrevo-me a dizer que, para os doentes com Lúpus, não haveria hospital em que coubessem serviços que abrangessem todas as possíveis complicações a advir da doença...  Sendo esta uma doença pessoal, em que cada caso é um caso e em que não parecem haver 2 pacientes com os mesmos sintomas, tornar-se-ia impraticável ter um hospital só dedicado ao Lúpus. É uma bela ideia...  mas apenas isso...  uma ideia!