domingo, 22 de maio de 2011

O Bicho Papão

Antes de mais quero reafirmar que sei perfeitamente o período negro que o nosso país está a atravessar.  Não sou cega nem surda aos problemas sociais e económicos que marcam o dia a dia português.  No entanto, e desde que recomecei a trabalhar, apercebi-me, também, de como este estado das coisas serve de desculpa a muita coisa...  Os que não têm emprego são assombrados com as fracas perspectivas de virem a arranjar um...  Os que o têm são ameaçados com a precariedade do mesmo ou, no caso de, afortunadamente, se encontrarem efectivos, com a possibilidade do térmito do posto de trabalho.
Sou sincera...  Não percebo de que forma estas atitudes, supostamente, alimentarão e fomentarão o bom desempenho nos trabalhadores.  De que forma o receio e o temor são alimentos à excelência...  Para mim não faz sentido!  Se a ideia é fazer com que quem tem a sorte de estar empregado se dê conta da sua benção, atrevo-me a dizer que, vivendo em Portugal, lendo os jornais e vendo os noticiários, essa pessoa já sabe a sorte que tem...  ainda que, da mesma maneira que os outros, tenha de contar os tostões até ao fim do mês, fazendo a ginástica do "estica o pilim", e corra o risco de ter de abdicar do carro e/ou da casa.  Será necessário carregar-lhe ainda mais os ombros com o peso da incerteza do amanhã?
É que, talvez seja defeito pessoal, na minha perspectiva a única certeza é que não as há!  Independentemente de crises, PREC's, FMI's, bancarrota nacional, empréstimos internacionais, etc etc etc
Os meus pais, efectivos à mais de 15 anos na mesma empresa, viram-se na negra situação de ficar os dois desempregados quando esta faliu, sem direito a indemnização e com uma filha pequena de 5 anos para cuidar...  Talvez por isso, para mim, efectividade nunca foi sinónimo de segurança! 

Agora...  O que eu dispenso é que me queiram alimentar o engenho e a produtividade com ameaças veladas...

terça-feira, 17 de maio de 2011

Ligação directa com o mercado de trabalho flexível!

Voltei ontem, dia 16, ao trabalho.  E, como a livraria em que trabalho está em inventário, em vez da isenção de horário para amamentação (menos 2 horas por dia) esperava por mim 8h (8 ontem e mais 8 hoje).  Pela primeira vez desde que fui mãe deixei o meu bebecas mais do que 2 ou 3 horas sem a mãe…  estivemos separados das 9h20 às 19h15…  Sou sincera:  não sei como teria aguentado sem o telemóvel repleto de fotos dele e sem a minha mãe me enviar mms com o sorriso aberto com que ele me brindava todos os dias.  E atenção…  eu sou uma sortuda!  Não só por estar empregada e efectiva, mas também porque o meu filhote vai ficar com os meus pais até aos 3 aninhos!  Mas…  Não é bem a mesma coisa, pois não?
Sim, posso considerar-me afortunada por ter um emprego, por estar efectiva e por receber sempre a horas!  Sim, o meu filho vai ser bem cuidado pelos avós, mimado até mais não, vai ter toda a atenção focada nele e vai, sem sombra de dúvidas, ser feliz!...  Mas a mamã dele é que não está tão feliz assim…
Como já disse na anterior acção pela flexibilização no trabalho, eu sempre disse à boca cheia que, se um dia viesse a ser mãe, queria ser mãe trabalhadora…  A ideia de ser “dona-de-casa” parecia-me retrógrada e limitativa.  E, nesse ponto, continuo a pensar o mesmo…  Mas agora, e depois de passar os meses mais felizes da minha vida 24 horas por dia dedicada e rendida aos sorrisos de um pequeno ser, a ideia de ter de me ausentar do pé dele e, possivelmente perder alguns dos marcos mais importantes do seu crescimento faz-me ver que também há limitações no que diz respeito ao mundo do trabalho.  Ontem, por exemplo, depois de dar a mamada das 9h ao Alexandre, só o voltei a ver já passava das 19h…  Ora, e como a mudança de rotina não se aplicou só a mim, mas a ele também, o Alexandre esteve com a espertina todo o dia…  Resultado, desde que cheguei a casa praticamente só vi o meu filhote de olhos fechados.  Para muitos pais, para quem o tempo dedicado aos filhos é uma obrigação e o prazer que disso advém um mistério, a situação poderia ser satisfatória…  Para mim não foi!
Quero ser uma mãe presente na vida do mau filhote.  Quero estar lá nas horas dos sorrisos e nas birras…  quero vê-lo a descobrir este grande mundo que o rodeia e, ao fazê-lo, redescobri-lo, eu própria, pelos olhos inocentes do meu filho.  Quero curar-lhe as feridas com um beijinho, pois todos sabem que não há melhor analgésico que um beijo de mãe.  Quero ajudá-lo a conquistar as suas batalhas.  Mas, para isso, o ideal seria um horário de trabalho flexível!
No meu caso, que trabalho numa livraria, não posso pedir para fazer parte do trabalho em casa (a não ser a gestão de conteúdos – textos críticos e sinopses das obras – mas isso já eu fazia em casa, antes de engravidar, e para além das 8 horas diárias).  O que posso pedir é uma carga horária mais pequena.  No meu caso, 5 horas diárias seriam o ideal.  Teria tempo para me dedicar a rebolar na areia com o Alexandre ao fim do dia e, ao mesmo tempo, tenho a certeza que a minha produtividade não diminuiria.  Isto porque, uma mãe estar afastada do seu tesouro mais não faz que, com a insatisfação, a tristeza e a ânsia de regressar para junto dele, essa mulher não se consiga entregar a 100% à tarefa que tem em mãos.  Ou porque conta os minutos que ainda faltam; ou porque se questiona se ele estará bem, se comeu tudo, se fez birra, se a tosse que tinha de manhã piorou, se não se esquecerão de lhe colocar o chapéu se vier à rua, etc etc etc
Eu, que tenho o pipoca com os meus pais, tenho a certeza que ele não poderia estar mais bem tratado.  Sei que, de certeza, sinto mais eu a falta dele que ele a minha…  Mas se sou eu que tenho de dar o meu contributo à classe trabalhadora do meu país, não deveria ser com a minha realização que o meu país se deveria preocupar? 
Hoje em dia a palavra chave é “CRISE”.  E com ela vêm a reboque as suas primas mais pequenas, mas cujos estragos são certeiros: precariedade, insatisfação, desalento, desemprego, dívida, …  As pessoas que têm a sorte de estar empregadas sentem-se quase na obrigação de a tudo se sujeitarem para não engrossarem as filas do IEFP local.  Mas a flexibilização, ao contrário do que podem alegar as altas esferas, não é uma desculpa para andar “na balda”.  É, isso sim, uma excelente maneira de optimizar as qualidades e as forças de uma trabalhadora sem se ter de levar, na linguagem da “bisca” e da “sueca”, com a palha que mais não faz que encher sem de nada servir.
O meu ideal, na minha situação actual, era um horário reduzido que me permitisse estar presente na vida do meu filho mais que um par de horas por dia. 
O meu ideal, sem ter de me colocar limites, era, finalmente, conseguir trabalhar em Tradução (o meu curso), em formato freelancer para poder gerir o meu tempo da melhor maneira possível (até porque sei que sou mais produtiva à noite mas, não sei porquê, as livrarias estão abertas de dia).

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Imaginação: Ida à Terra...

A paisagem que passava por eles do lado de fora da janela, modificava-se enquanto a manhã ia chegando.  Iam os quatro, janelas fechadas para impedir a entrada do frio e da humidade da madrugada.  O rádio ia vomitando músicas em incessante desfile, em que o gosto de um se sobrepunha, à vez, aos dos outros três.  Os pais, à frente, respiravam longos fôlegos de felicidade instantânea…  afinal, iam à terra!  No banco de trás o rapaz e a rapariga, a quem lhes foram retiradas as consolas portáteis de que as suas mãos pareciam depender (“mas mããããeee!” “já disse que não!  Não morrem por não jogarem 3 dias!”) mostravam a sua indignação com um silêncio ensurdecedor.
Duas vezes por ano acontecia este desfile; Natal e Páscoa!  Ainda tinham tentado inserir na tradição as férias de verão, mas as praias do Algarve eram muito mais sedutoras que as planícies do Alto Alentejo.  E então, quer fosse com a promessa das azevias de grão, quer atraídos pelo ensopado de borrego, duas vezes por ano voltavam às raízes.  Os pais tentando, num esforço que era palpável, afirmar que a vida na cidade não lhes apagara os traços campestres.  Os filhos fingindo que isso lhes interessava.
Durante 2 semanas fingiam que eram uma família unida, daquelas que planejam e fazem tudo em conjunto…  Mas aquele apartamento num 5º andar em Queluz sabia bem o que os sorrisos escondiam…  Cada qual no seu quarto, tentando ao máximo ter o mínimo de contacto com os outros…  bendizendo a sorte que lhes permitia ter um quarto para cada um (excepto no caso dos pais…  se não contarmos com as variadas noites em que um acabava por adormecer no sofá, frente ao televisor, enquanto fazia tempo para que o cônjuge, que já se apoderara da cama, adormecesse - de forma a evitar ter de trocar a meia dúzia de palavras da praxe sobre “como foi o teu dia?”).
Ali não!  Ali era “A Terra”!  Ali era o Berço!  Ali viviam ainda todos os sonhos de meninos que os pais se atreveram a sonhar antes de se aperceberem que a idade limita os sonhos e a realidade castra os desejos. 
Não!  Ali, duas vezes por ano, podiam ser o que um dia tinham idealizado…  Ali os filhos eram bem educados e preocupavam-se com eles…  Ali eles tinham tempo para os filhos e um para o outro…  Ali as refeições eram saboreadas à mesa, em conjunto, e não num tabuleiro de plástico da loja dos chineses poisado sobre os joelhos em frente à televisão…  Ali o tempo passava lentamente, respeitando as pequenas coisas da vida…  Ali as noites eram silenciosas, os dias serenos e parecia haver constantemente no ar um cheiro a flores e a giestas…
Ao fim do quarto dia todos ansiavam, secretamente, pelas filas do IC19, pelos apertões no metro e pelo constante ruído da cidade, pautado pela sempre presente sirene da polícia/bombeiros/ambulância…  Mas escondiam envergonhadamente os pensamentos, enchiam o peito daquele ar puro que os seus pulmões estranhavam, e afivelavam um sorriso nos lábios…  Afinal…  Estavam Na Terra!