sábado, 30 de julho de 2011

Pressa em chegar...

Sou mãe de um prematuro!  Esta afirmação distingue-me das mamãs de bebés de termo, de uma maneira que só as mamãs de outros prematuros poderão entender...  A maior parte das pessoas dizem que se não soubessem que o pipoca é permaturo não desconfiariam de tal...  Mas a sua pressa em chegar marcou estes primeiros meses (e os próximos) deste meu novo papel: o de Mãe.

Desde o nascimento antecipado do meu tesouro que tento sempre manter um sorriso na cara e o riso na voz, mas… muitas vezes tinha o coração a sangrar e a alma a chorar.

O facto do Alex ter vindo 7 semanas antes do previsto e de, por isso, só o ter visto quase 24h depois de ter nascido foi o início de uma batalha solitária. Quando vi o meu filho, pequeno e frágil, numa incubadora, sem sequer lhe poder pegar (enfiava a mão na janelinha e afagava-lhe o cabelinho ralo e loiro) quebrou-me muito. De noite ia para a enfermaria e via as mães em meu redor com os seus pequenitos no colo ou deitados a seu lado e o coração apertava-se pensando no baby que, no piso de baixo, aguardava os mimos e carinhos da mãe. Passei grande parte desse tempo com as cortinas da cama corridas, ou fingindo-me entregue à leitura de um livro do qual, julgo, não li uma única linha. De manhã acordava, tomava o duche o mais rápido que conseguia, fingia comer o pequeno-almoço, ia ao ritual de tirar leite e de seguida, o mais rápido que o decoro me permitia, dirigia-me ao
ambiente esterilizado da Neo. Enquanto vestia o avental obrigatório e desinfectava as mãos e os braços, esticava o pescoço e tentava, num vislumbre, saber como estava o meu pequeno. Por vezes encontrava-o entregue ao colo de uma enfermeira e a alegria de o poder ver misturava-se com um ciúme que doía… era no meu colo que ele devia ser embalado… Os meus braços é que deviam rodeá-lo e protegê-lo… Corria para ele e pegava-lhe, quase febrilmente, roubando-o à enfermeira que lhe velara o sono. Assim passava os meus dias… Sozinha… No meio de pessoas desconhecidas, de máquinas que apitavam amiúde, de correrias para esta ou aquela cama ou incubadora em que o sinal de alarme tocava.
Nas horas das refeições ligavam para a Neo à minha procura e as enfermeiras expulsavam-me, meigamente, obrigando-me a comer. A comida escorregava sem ser saboreada. A vistoria dos médicos era mais uma privação. Tinha de aguardar, ansiosa, a chegada do médico e o seu exame, quando isso significava tempo precioso que era desperdiçado. O dia da minha alta foi dos dias mais dolorosos da minha vida, comparável, apenas, à dor de perder algumas pessoas na minha vida. A caminho de casa parei para comprar uma bomba de tirar leite e, tendo-me separado do Sérgio, percorri corredores a chorar profundamente, consciente dos olhares que me lançavam os outros clientes mas sem ser capaz de me impedir. Em casa, nova rotina… Acordava (quando conseguia dormir) de 3 em 3 horas e, agarrando no telemóvel, ia para a sala tirar leite olhando para uma foto do meu menino todo entubado enquanto cheirava o babygrow ou body que ele usara nesse dia. Os médicos diziam que a ajuda visual e o cheiro eram fundamentais para aumentar a produção do leite, e eu agarrava-me às lembranças do meu tesouro, a cerca de 35 km de casa. De manhã o Sérgio levava-me ao hospital e vinha-se embora e eu ficava sozinha, até cerca das 22h, a velar o meu tesouro. Um dia cheguei e vi-o debaixo de uma luz azul, com uns óculos protectores, todo nu, só de fralda… A sua fragilidade atingiu-me em cheio e fui tirar leite para não me verem chorar.
Coisa que não consegui quando me avisaram que iam transferir o Alexandre para o hospital de Cascais. Chorei… Não queria correr riscos e a pequenez do Alex parecia-me demasiado frágil para uma mudança dessas. E, ainda para mais, estava sozinha com ele… Ninguém me acompanhou nesse dia quando, na parte de trás de uma ambulância, segurava o ovo que era demasiado grande para o pipoca, enquanto a enfermeira que me acompanhava (para controlar as máquinas a que o pipoquinha ia ligado e ver se não atingiam níveis preocupantes) discutia com a paramédica quais os melhores hospitais da região e falavam de acidentes e de pessoas que morriam na parte de trás das ambulâncias a caminho dos hospitais. Só queria gritar: “Calem-se! Não é uma pessoa qualquer que aqui vai! É o MEU filho!”, mas sabia bem que, para elas, ele era “uma pessoa qualquer”.

Novo hospital, as mesmas rotinas…

Acordar de 3 em 3 horas, cheirar a roupa e ver o telemóvel, ir para o hospital dar peito, almoçar, dar peito, canguru (ou banho), maminha, jantar sozinha ou com outras mães com os filhos internados (altura em que a refeição era acompanhada com relatos de sintomas, exames, arritmias, etc), maminha e casa. Apesar de tentar dar peito sempre que era hora da refeição, a maior parte das vezes, para o alimentar, acabava a segurar uma seringa cheia de leite donde saia um tubo que, enfiado no nariz ou na boca do Alexandre, levava o leite directamente ao estômago. Entretanto, nova privação… Dizem-me que temos de ir a outro hospital com o pipoca, fazer uma eco-cardíaca e um electrocardiograma… O motivo?
Suspeitavam de um sopro cardíaco.
Na noite antes não dormi nada e acabei com o stock de lenços de papel. No final, suspiro de alívio… Estava tudo bem!

Durante 23 dias não soube o que era pegar no meu filho sem um avental de plástico entre nós dois… Não soube o que era deitar-me com ele ao meu lado e sentir-lhe o calor… Não soube o que era tocar-lhe sem desinfectar as mãos e os braços com um líquido que nos seca a pele… Não soube o que era passar uma noite a velá-lo…

Culpei-me tanto! Ainda o faço… Digo a mim própria que se não tivesse continuado a acartar com pilhas de livros, mesmo sabendo estar grávida, nada disto teria acontecido. Que se não tivesse ido tirar as fotos para o catálogo de Natal, as águas não tinham rompido. Se… Se… Se… Se…

Ao grupo de mães da Net a que pertencia, levava novidades da felicidade de ser mãe e, muitas vezes, escrevia sobre o Amor e a Alegria enquanto chorava a dor que sentia. Da porta para fora sorriso na cara e promessa de futuro, dentro de casa as lágrimas corriam e a alma era negra. Nem o Sérgio se apercebia do que eu sentia… Eu passava os dias sozinha porque ele vinha para casa e deixava-me no hospital. Ele nunca falou de receios, cansaços, temores, e eu sentia-me tola em partilhar os meus (pior… tinha receio que, ao colocar em voz alta todas as questões que me atormentavam, o pior pudesse acontecer).

As mamãs de Dezembro pediam fotos do Alexandre. Desculpava-me com o facto de não se poder tirar fotos com flash na Neo, o que era verdade… Mas tirei-lhe dezenas com o telemóvel e a máquina sem flash… Mas não me atrevia a partilhá-las… Nem com a família… Era como se temesse que, ao partilhar a fragilidade e vulnerabilidade do meu filho o exposesse a tudo o que tentava protegê-lo… Não queria que a mais pequena coisa interferisse na sua luta.

Ainda agora, com isto tudo escrito, sei que ninguém (que não tenha passado pelo mesmo) me vai entender…
Não vai perceber a dor, a incerteza, o receio, a culpa,… Assim como não percebiam o porquê de eu passar as noites dos primeiros 4 meses do Alexandre em casa acordada. Em parte era, como eu dizia, para que não passasse a hora da mamada (vital para a evolução dum prematuro) mas, mais que isso, era a necessidade de comprovar que o seu sono era descansado, que dormia bem, que nada de mal acontecia, que não precisava de máquinas a apitar para dar conta de algo mau a passar… Só conseguia dormir, de manhã ou de tarde, quando o Sérgio já não estava em casa, abraçada a ele, certa de que o mais pequeno movimento ou suspiro me acordariam.

Ainda hoje tenho dificuldade em dormir a noite toda…

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