A paisagem que passava por eles do lado de fora da janela, modificava-se enquanto a manhã ia chegando. Iam os quatro, janelas fechadas para impedir a entrada do frio e da humidade da madrugada. O rádio ia vomitando músicas em incessante desfile, em que o gosto de um se sobrepunha, à vez, aos dos outros três. Os pais, à frente, respiravam longos fôlegos de felicidade instantânea… afinal, iam à terra! No banco de trás o rapaz e a rapariga, a quem lhes foram retiradas as consolas portáteis de que as suas mãos pareciam depender (“mas mããããeee!” “já disse que não! Não morrem por não jogarem 3 dias!”) mostravam a sua indignação com um silêncio ensurdecedor.
Duas vezes por ano acontecia este desfile; Natal e Páscoa! Ainda tinham tentado inserir na tradição as férias de verão, mas as praias do Algarve eram muito mais sedutoras que as planícies do Alto Alentejo. E então, quer fosse com a promessa das azevias de grão, quer atraídos pelo ensopado de borrego, duas vezes por ano voltavam às raízes. Os pais tentando, num esforço que era palpável, afirmar que a vida na cidade não lhes apagara os traços campestres. Os filhos fingindo que isso lhes interessava.
Durante 2 semanas fingiam que eram uma família unida, daquelas que planejam e fazem tudo em conjunto… Mas aquele apartamento num 5º andar em Queluz sabia bem o que os sorrisos escondiam… Cada qual no seu quarto, tentando ao máximo ter o mínimo de contacto com os outros… bendizendo a sorte que lhes permitia ter um quarto para cada um (excepto no caso dos pais… se não contarmos com as variadas noites em que um acabava por adormecer no sofá, frente ao televisor, enquanto fazia tempo para que o cônjuge, que já se apoderara da cama, adormecesse - de forma a evitar ter de trocar a meia dúzia de palavras da praxe sobre “como foi o teu dia?”).
Ali não! Ali era “A Terra”! Ali era o Berço! Ali viviam ainda todos os sonhos de meninos que os pais se atreveram a sonhar antes de se aperceberem que a idade limita os sonhos e a realidade castra os desejos.
Não! Ali, duas vezes por ano, podiam ser o que um dia tinham idealizado… Ali os filhos eram bem educados e preocupavam-se com eles… Ali eles tinham tempo para os filhos e um para o outro… Ali as refeições eram saboreadas à mesa, em conjunto, e não num tabuleiro de plástico da loja dos chineses poisado sobre os joelhos em frente à televisão… Ali o tempo passava lentamente, respeitando as pequenas coisas da vida… Ali as noites eram silenciosas, os dias serenos e parecia haver constantemente no ar um cheiro a flores e a giestas…
Ao fim do quarto dia todos ansiavam, secretamente, pelas filas do IC19, pelos apertões no metro e pelo constante ruído da cidade, pautado pela sempre presente sirene da polícia/bombeiros/ambulância… Mas escondiam envergonhadamente os pensamentos, enchiam o peito daquele ar puro que os seus pulmões estranhavam, e afivelavam um sorriso nos lábios… Afinal… Estavam Na Terra!
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